sexta-feira, 9 de abril de 2010

História de Fábio Grando

Tenho 25 anos, nasci em Guaporé no Rio Grande do Sul, aonde morei até meus 11 anos, depois disso mudei junto com minha família para Brasília, cidade na qual moro até hoje.

Sempre gostei de ter minha vida planejada, de fazer planos a curto e médio prazo. Em 2002, logo após concluir o ensino médio, comecei a cursar a faculdade de Biologia e ao mesmo tempo fui chamado para meu primeiro emprego, com o qual ajudava a pagar parte da mensalidade, a outra meus pais bancavam.

Quando estava no segundo ano, nos mudamos e devido a longa distância da faculdade até minha casa, tive que transferir meu curso. Como as faculdades por perto não tinham Biologia, me vi obrigado de fazer uma nova escolha. Foi então que optei pelo Jornalismo. Com a mudança de casa e de curso, veio também um novo emprego, desta vez com um salário melhor, que possibilitava pagar integralmente minha faculdade.

Tudo ia bem e conforme eu havia planejado. Estava em um curso com o qual me identificava e tinha um bom emprego. Com tudo indo bem, já fazia planos para quando me formasse jornalista. Como ingressei no novo curso em janeiro de 2004, isso ocorreria no início de 2008.

Planos interrompidos

Infelizmente meus planos foram interrompidos no dia 18 junho de 2006. Eu estava no quarto semestre na faculdade e tudo que havia planejado estava acontecendo.

Era ano de Copa do Mundo e no domingo, dia 18, eu e mais alguns amigos resolvemos marcar uma festa e convidar o pessoal para assistirmos ao jogo entre Brasil e Austrália juntos, e assim foi.

Começamos os preparativos no dia anterior. No domingo, acordei bem cedo, peguei tudo que precisava e fui em direção a casa do meu amigo, aonde assistiríamos ao jogo. Era um lugar muito agradável, com piscina, e que com frequência passávamos as tardes inteiras ali.

Chegando na casa, começamos a organizar tudo e logo foram chegando os convidados, tudo correu perfeitamente bem, inclusive o jogo, com vitória brasileira por 2 a 0. A partida terminou por volta das 13h30, depois disso, ficamos conversando e ouvindo música.

O dia estava ensolarado e seco, como de costume nessa época do ano em Brasília. Foi então que resolvi tomar a iniciativa e ser o primeiro a pular na piscina. Entrei e para minha frustração poucos se animaram a fazer o mesmo, foi então que resolvi abandonar a ideia. Quando já estava me vestindo, o pessoal resolveu entrar. Ainda nem havia dado tempo para me secar, e quando vi que minha ideia havia sido aceita, resolvi entrar novamente e foi ai que aconteceu algo que eu não havia planejado.

Fora dos planos

Ao saltar de ponta na piscina, meu corpo inclinou demais, levantando as minhas pernas e fazendo com que eu batesse a cabeça no fundo. Lembro perfeitamente de ouvir o barulho do choque da minha cabeça com o piso. Imediatamente perdi todos os movimentos, mas não desmaiei, continuei consciente, porém sem poder me mexer. Eu estava embaixo da água e minha cabeça começou a sangrar devido a batida, foi então que um amigo percebeu e me retirou da água.

Eu não sentia dor alguma, apenas muito cansaço no corpo. Meus amigos me colocaram sentado fora da piscina, eu sequer conseguia levantar a cabeça, perdi completamente todos os movimentos. Percebendo isso, me deitaram no chão e ligaram para uma ambulância. Assim que os bombeiros chegaram, imobilizaram meu pescoço e me encaminharam ao Hospital de Base de Brasília. Lembro de quando estava dentro da ambulância escutar um dos bombeiros comentar com o motorista “Vamos devagar, sem balançar muito”. Na hora não entendi bem, afinal o que mais queria era chegar logo, encontrar meus pais e saber o que realmente havia acontecido.

Assim que os bombeiros informaram para onde me levariam, um amigo avisou aos meus pais o ocorrido e para onde estavam me levando. Ao chegar no hospital, lembro apenas do momento em que a porta da ambulância foi aberta e vi o rosto dos meus pais. Depois disso, ao saber que já estava com eles, devo ter relaxado pois lembro de pouca coisa.

A lesão

No hospital, os médicos informaram para os meus pais que eu estava tetraplégico e havia fraturado a quinta vértebra da coluna (C5), na altura do pescoço. Esta vértebra machucou a medula, fazendo com que eu perdesse os movimentos do pescoço pra baixo. Era necessário relizar uma cirugia para recolocar a vértebra no lugar e ver o tamanho da lesão que ela havia causado na medula. Mesmo assim um dos médicos foi bem claro ao meu pai: “Seu filho vai ficar permanentemente em uma cama”.

Na quinta-feira, dia 22, eu ainda não havia feito a cirugia, estava com muita febre e com o corpo começando a ficar com feridas devido a pemanência deitado na mesma posição. Foi então que fui transferido para o Hospital Sarah Kubitschek para ser operado.

Ao chegar no Sarah foi que eu comecei a entender a minha situação. Os médicos realizaram alguns exames e conseguiram ver que a vértebra fraturada não estava mais pressionando a medula, por isso resolveram esperar minha febre abaixar para somente depois fazerem a cirugia, que ocorreu no dia 10 de julho.

Mais um susto

Na mesma quinta-feira, dia 22, após quatro dias do meu acidente, ocorreu outro bem mais grave. Naquela manhã, ficamos por conta da minha transferência do Hospital de Base para o Sarah. Apenas por volta das 14h é que eu e minha mãe, que estava como minha acompanhante no Sarah, chegamos a enfermaria aonde eu deveria ficar.

Após o almoço, minha mãe, voltou do banheiro e disse sentada ao lado da minha cama, que não estava passando bem, estava enjoada. Foi então que ela encostou a cabeça na minha cama e disse que iria descansar um pouco. Eu não podia fazer muita coisa, afinal nem virar o pescoço eu conseguia naquele momento. De repente, apenas escutei um barulho e percebi que ela não estava mais do meu lado. Ela havia caído da cadeira e estava deitada no chão. Tentei gritar por ajuda mas não tinha forças pra isso. Por sorte, uma enfermeira que passava viu minha mãe caída e chamou os médicos, que imediatamente a socorreram.

Eu fiquei completamente perdido, sem saber o que estava acontecendo. Minutos depois, as enfermeiras me informaram que ela havia apenas desmaiado, mas já estava bem. Dias depois eu saberia que ela apenas disse isso com a intenção de não me preocupar, porque na verdade minha mãe havia sofrido um infarto, considerado fulminante pelos médicos.

Imediatamente ela foi transferida para o InCor (Instituto do Coração) aonde ficou internada. Após ficar alguns dias sem reconhecer ninguém da família, ela começou a recuperar a memória, mas sem nenhuma lembrança do que havia ocorrido comigo. Milagrosamente, após apenas uma semana, ela foi liberada do hospital sem nenhuma sequela grave. Hoje ela brinca: “Deus me mandou de volta pra cuidar de você”.

Segundo os médicos que socorreram minha mãe, o infarto foi causado pelo estresse acumulado, e o meu acidente foi a gota d’água. Eu não sei se existe destino, mas não haveria lugar melhor para ela ter infartado. Afinal ela estava dentro de um hospital e com vários médicos no mesmo prédio. Alguns afirmam que se ela estivesse na rua ou em casa, dificilmente teria sobrevivido, coisa que conseguiu devido ao rápido atendimento.

A recuperação

Passado os sustos, as coisas, na medida do possível, foram entrando nos seus devidos lugares. Com o infarto, minha mãe foi proibida de permanecer muito tempo comigo no hospital. Por isso, vários tios, familiares e amigos se revezavam para me auxiliar a comer, trocar de roupa, tomar banho, entre várias outras atividades que eu precisava de ajuda.

Fui operado 17 dias antes do meu aniversário, colocaram uma placa de titânio e quatro parafusos na vértebra fraturada. Logo depois, comecei a fazer fisioterapia, mesmo na cama dentro da enfermaria. Em seguida, consegui ter algumas melhoras simples, como virar o pescoço ou levantar um pouco os braços, coisas pequenas, mas que se tornam enormes nesses momentos.

Na verdade, mesmo com algumas melhoras, a ficha de estar tetraplégico caiu apenas quando me colocaram pela primeira vez na cadeira de rodas. A sensação é estranha. Boa por conseguir sair da cama e ruim por ver o tamanho das minhas limitações.

De volta pra casa, mas por pouco tempo

Eu permaneci no Sarah do dia 22 de junho até outubro, quando finalmente voltei pra casa. Até aquele momento eu havia recuperado da cintura para cima, os movimentos dos braços, mas sem movimentar as mãos e nas pernas eu recuperei a sensibilidade, ou seja mesmo sem movimentá-las eu consigo sentir quando alguém encosta ou cai água por exemplo.

A adaptação a minha casa e a viver na cadeira não foi fácil. Quando se está no Sarah (hospital especializado neste tipo de lesão), você tem tudo ao seu alcance, tudo é planejado e adaptado para uma pessoa viver em uma cadeira de rodas. Infelizmente, no mundo real não é assim e tudo fica bem mais complicado. São portas estreitas demais, ruas sem rampas, estabelecimentos sem acessos e por ai vai.

Em fevereiro de 2007, eu fui convidado pela primeira vez para ir ao Sarah do Lago Norte. Esta unidade do Sarah, diferentemente da primeira que eu fiquei quando fui operado, é voltada mais para a fisioterapia e para simular situações do dia a dia, para ensinar o paciente a conviver melhor com a cadeira. Consegui me adaptar as situações, reaprendi a comer, a segurar um copo e empurrar, mesmo que devagar, a cadeira. Tudo para tentar conseguir voltar a fazer o máximo possível das coisas que eu fazia antes.

Após sair do Sarah, no final de fevereiro, decidi retornar a faculdade. Voltei ao quinto semestre. Com a minha volta, sentia que parte do que eu fazia antes, ainda era possível de ser feito, mas de maneiras diferentes e sempre contando com ajuda dos amigos. Graças a essas ajudas de colegas e amigos consegui me formar jornalista em junho de 2008.

Ainda tenho no que melhorar

Desde o dia que começei a fazer exercícios, ainda na cama do hospital até os dias de hoje, continuo fazendo fisioterpia. Aprendi a conviver com as minhas limitações e a aceitar o que me aconteceu. Porém, apesar de aceitar o meu acidente e as consequências dele, eu jamais irei me conformar com o ocorrido. Passo os dias a procura de algum tratamento, de uma nova forma de fisioterapia, de qualquer coisa que possa me ajudar a melhorar, nem que seja um pouco.

Algumas pessoas se assustam quando me escutam dizer que o que me incomoda não é o fato de estar em uma cadeira de rodas, com isso consigo conviver facilmente. O que incomoda é o fato de não poder mexer as mãos, o que me torna uma pessoa completamente dependente. Sem poder sequer buscar um copo d’agua ou sair da cama para a cadeira sozinho.

É por esse entre outros motivos, que jamais vou desistir de buscar a minha recuperação. E por isso peço a ajuda de vocês para que eu possa realizar um sonho, de ir até San Diego nos Estados Unidos e ter a chance de participar do Project Walk. Voltarei andando? Não sei, mas quero ter a chance de ver e aprender no que eu ainda posso evoluir.

Aceitar sim, se conformar jamais

Costumo encarar o que aconteceu de uma maneira positiva. Afinal, se não fosse pelo meu acidente, minha mãe jamais estaria naquela quinta-feira, no dia 22, naquele exato local, dentro de um hospital para ser salva após um infarto fulminante. Agora você que está lendo pode pensar: “Mas sem o seu acidente ela não atigiria o estresse suficiente para infartar”. Realmente, ela não atingiria naquele momento, mas nunca sabemos o que a vida nos reserva, e se era pra acontecer, Deus soube exatamente a hora de acontecer.

Então se tudo o que me aconteceu foi para salvar minha mãe, com certeza absoluta eu vou aceitar o ocorrido, mas isso jamais me impedirá de correr atrás dos meus sonhos e buscar melhorar o máximo possível. Se não for pra voltar a andar, que pelo menos eu consiga me tornar uma pessoa independente. Eu jamais deixarei de acreditar.

Para ajuda acesse o blog dele :]
http://fabiogrando.blogspot.com/

Twitter: @fabiogrando